Resumos

Choque de civilizações?

Vamos estudar as origens, o contexto de surgimento e o significado da regionalização do mundo, com base na teoria do “choque de civilizações” de Samuel Huntington, criando uma visão crítica sobre seus fundamentos a partir de outros autores, principalmente Edward Said, e por que a aceitação da visão de Huntington representa certo reducionismo (reduzir os fenômenos) no entendimento da geografia do mundo atual, em virtude de se desconsiderar fatores geopolíticos, históricos, as disputas econômicas etc. A discussão sobre o assunto será iniciada a partir de acontecimentos relevantes e recentes no cenário mundial e, sem abandoná-los, estudaremos o paradigma (padrão) que modela a política internacional de hoje, principalmente após o término da Guerra Fria (1947-1991). Uma vez que pesquisadores considerem diferentes eventos como delimitadores do período da Guerra Fria entre Estados Unidos (EUA) e União Soviética (URSS), vale esclarecer que assumiremos aqui a aplicação da Doutrina Truman pelos EUA, em 1947, como o início efetivo da guerra velada entre estas duas superpotências, que perdurou até o fim da URSS, em dezembro de 1991.

Sua origem
Em um artigo intitulado “Choque de civilizações: na origem de um conceito”, Alain Gresh explica que a idéia de “choque” foi freqüentemente retomada para explicar os conflitos entre Ocidente e Oriente. Ainda em 1964, Bernard Lewis, um professor universitário britânico pouco conhecido, lançou a expressão que ficaria famosa. Se, por um lado, esta passou despercebida durante a década de 1960, de outro foi relançada por ele vinte e cinco anos depois na forma de um artigo, “As raízes da cólera muçulmana”. Gresh ressalta que:

“a visão de um ‘choque de civilizações’, contrapondo duas entidades claramente definidas, o ‘Islã’ e o ‘Ocidente’ (ou a civilização judeo-cristã’), está no centro do pensamento de Bernard Lewis, um pensamento essencialista que restringe os muçulmanos a uma cultura petrificada e eterna.”

GRESH, Alain. Choque de civilizações: na origem de um conceito.
Edição de setembro de 2004 do Le Monde Diplomatique.
           
Em 1993, Samuel P. Huntington, estrategista norte-americano, retomou a fórmula do “choque de civilizações” num célebre artigo que escreveu para a revista Foreign Affairs. O texto fez tanto sucesso e despertou tanta polêmica que levou o seu autor a ampliá-lo e, em 1996, Huntington publicou o livro Choque de civilizações: e a recomposição da ordem mundial, publicado no Brasil no ano seguinte.

O contexto geopolítico em que surgiu e seu significado
A expressão “choque de civilizações” adquiriu grande repercussão no contexto de incertezas da nova ordem mundial, logo após o fim da Guerra Fria (1947-1989), quando o mundo se deparou com a eclosão de conflitos isolados, motivados por rivalidades étnico-religiosas e culturais, contidos em sua grande maioria por regimes totalitários, como na ex-União Soviética e na antiga Iugoslávia. O tema é bastante atual, a maioria das guerras ocorre entre povos de civilizações diferentes, por exemplo, o conflito Israel-Palestina, as Guerras do Golfo, a desintegração iugoslava, a instabilidade na Caxemira, a luta pela independência na Chechênia ou mesmo a atual presença anglo-americana no Iraque.
O postulado (princípio não demonstrado de um argumento ou teoria) de Samuel P. Huntington, na obra indicada acima, constitui um esforço de compreensão do mundo e do novo quadro das relações internacionais emergente da implosão soviética, depois que as tensões políticas da velha ordem bipolar deixaram de subordinar um ou outro bloco ideológico. O autor propôs o paradigma civilizacional como modelo, assumindo que são as várias identidades culturais do mundo que modelam as coesões, as desintegrações e os conflitos numa nova ordem mundial Pós-Guerra Fria, onde, inclusive, Estados se aliam, ou não, em função dos sentimentos de pertencimento civilizacional. O cenário e a divisão do mundo propostos por Huntington foram estabelecidos após o autor ter analisado vários autores, entre os quais os historiadores Arnold J. Toynbee e Fernand Braudel. Nesse trajeto, há muitos pontos que Huntington não aborda ou apenas levanta de passagem, como é o caso da questão se os judeus seriam ou não uma civilização. Segundo ele, o mundo está dividido em nove “civilizações”: ocidental, africana, islâmica, sínica, hindu, ortodoxa, japonesa, budista e latino-americana. Defende-se nela que o futuro da humanidade poderá ser determinado pelo confronto entre diferentes civilizações, a partir da adesão a religiões e características culturais comuns. O ideal seria que cada civilização principal tivesse, pelo menos, um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas sabemos que apenas EUA, China, Rússia, França e Inglaterra são membros permanentes do Conselho. Assim, concluímos que a divisão de Huntington não é tão abrangente assim. Veja o mapa “A distribuição das civilizações de acordo com Huntington” nas páginas 6 e 7, no caderno do aluno e na legenda estão as características de cada civilização.
            Edward Said, crítico literário e ativista da causa palestina, interpretou a teoria de Huntington como uma versão renovada da tese da Guerra Fria, pois entende que os conflitos do mundo atual e do futuro continuarão a ser essencialmente ideológicos, mais do que econômicos e sociais. Edward lembra que, a argumentação de Huntington falha por tratar a cultura como algo monolítico (único), imutável e homogêneo, ou seja, não considera as inquietações que existem dentro de cada cultura e aponta que a tese do “choque de civilizações” fundamenta-se na perspectiva de uma separação rigorosa entre diferentes culturas, desconsiderando os diversos fluxos que caracterizam o mundo de hoje, o que torna impossível, para qualquer cultura, manter-se completamente isolada das outras (por exemplo, as migrações, as misturas e o intercâmbio de culturas).
            O paradigma (modelo) civilizacional de Huntington não é verificável a ponto de considerarmos o melhor. Uma das críticas, dirigidas à sua teoria, são as limitações quando contraposta à realidade geopolítica mundial, expressando uma visão reducionista (reduzir os fenômenos) diante das verdadeiras causas de muitos conflitos. Por exemplo, se voltarmos ao início da década de 1990, para lembrar o caso do genocídio em Ruanda entre hutus e tutsis, identificamos que eles são de grupos étnicos diferentes na religião, mas que pertencem, para Huntington, à “unidade cultural africana”, cujo confronto resultou na morte de 1 milhão de africanos numa guerra considerada como a maior catástrofe humanitária acontecida após a queda do Muro de Berlim (1989). Exemplificar a conflitualidade por intermédio do critério civilizacional ou religioso representa, muitas vezes, colocar em segundo plano os interesses mais ou menos legítimos dos atores internacionais, correndo-se o risco de certo reducionismo no entendimento da geografia do mundo atual em virtude de se desconsiderar fatores geopolíticos, históricos, as disputas econômicas etc.
Outros especialistas não concordam com a tese de Huntington, além de Edward, como Noam Chomsky, John Espósito, entre outros, que vinculam os conflitos à imposição de um modelo geopolítico e econômico controlado pelos países ricos e suas corporações. A identificação civil ou religiosa entre os povos não se verifica como o fator-chave de todos os conflitos no mundo atual. Além dos conflitos das fronteiras do mundo, temos as tensões político-militares entre Estados, grupos e nações a partir do conhecimento da geografia dos recursos vitais. Por exemplo, a disputa pelo máximo de controle do petróleo (um recurso vital), no Iraque, pelos norte-americanos; o caso dos Montes ou Colinas de Golã, assegurado pelos israelitas para garantir o fornecimento de água – um problema crônico em Israel – é um planalto inabitável, constantemente coberto de gelo, que serve de fronteira natural entre os países árabes: Líbano, Jordânia e Síria.
Entre outros autores recomendados, e que concederam entrevistas para jornais brasileiros a respeito da teoria do “choque de civilizações”, sugerimos John Espósito (professor de religião e relações internacionais da Universidade Georgetown, Washington).

6. Geografia das religiões

            Vamos analisar a difusão e a distribuição geográfica das principais religiões do mundo, em destaque para o caso das três principais religiões monoteístas (crença em um só Deus): cristianismo, islamismo e judaísmo. Compreender melhor o espaço mundial por intermédio de um de seus elementos essenciais, a religiosidade e as religiões, poderá contribuir para um melhor entendimento acerca do dinamismo, complexidade e pluralidade do espaço geográfico mundial. É importante estudar a Geografia das religiões, diante de fatos e acontecimentos do mundo contemporâneo: a intolerância religiosa que é noticiada em jornais, revistas, televisão e outros meios de comunicação. Levantaremos aspectos importantes, como origens, difusão, distribuição geográfica e contingente populacional, as principais rotas de dispersão das religiões (o que nem todos os mapas apresentam, principalmente se as difusões são em menor amplitude), como por exemplo, os adeptos ou grupos de fiéis do budismo e do islamismo no Brasil e as diásporas (dispersão de povos em virtude de perseguição de grupos intolerantes) judaicas.
            Os espaços das religiões são parte integrante da totalidade do espaço geográfico mundial. Cada uma das religiões possui uma dinâmica histórica e uma dimensão geográfica, por exemplo, população e território.

Diversidade do cristianismo
            Atualmente, ele é praticado por pelo menos um terço da população mundial (mais de dois bilhões de seguidores), o que faz desta religião a maior do mundo em número de fiéis, apresentado no gráfico “Os 10 primeiros países cristãos, 2005” na página 15 no caderno do aluno. O cristianismo é uma religião surgida na Palestina, no primeiro século depois de Cristo e cujos alicerces são baseados nos ensinamentos de Jesus Cristo (4 a.C. – 29 d.C.). No entanto, dois mil anos depois de seu nascimento, o mundo experimenta várias formas de cristianismo, divididas em diferentes denominações. A maior divisão existe entre ortodoxos – também conhecidos como cristãos do Oriente – e os cristãos do Ocidente que, por sua vez, também se subdividiram entre cristãos católicos e protestantes.

Ortodoxos Orientais
Cristãos do oriente (lado direito do mapa mundi)
Maioria concentrada na Rússia
Católicos Romanos
Cristãos do ocidente (lado esquerdo do mapa mundi)
Maioria concentrada no Brasil
Protestantes
Maioria concentrada nos EUA


Islamismo, a segunda maior religião do mundo em número de fiéis
            O islamismo conta, atualmente, com cerca de 1,3 bilhão de seguidores e foi fundado pelo profeta Maomé há 1400 anos no território que hoje corresponde à Arábia Saudita. Logo atrás do cristianismo, é a segunda maior religião do mundo em número de fiéis e vem apresentando um crescimento expressivo de adeptos (cerca de 15% ao ano), sendo a que mais cresce no mundo, como observamos nos mapas “Os muçulmanos,2006” na página 16 do caderno do aluno. Os países, com as maiores populações islâmicas, se encontram não somente no Oriente Médio, onde a religião surgiu, mas em outras partes da Ásia e no Norte da África. O maior país islâmico do mundo é a Indonésia, com 1700 milhões de muçulmanos, seguida pelo Paquistão (136 milhões), Bangladesh (105 milhões) e Índia (103 milhões).
            Muçulmano é todo aquele que segue o islamismo, uma religião monoteísta baseada no Corão ou Alcorão – o livro sagrado do Islã, considerado como a palavra de Deus revelada a Maomé. Islã vem do árabe e significa “submissão” (ao desejo e à orientação de Deus), tem suas raízes etimológicas assentadas na idéia de salam (paz) e é utilizado para designar o conjunto dos povos de civilização islâmica que professam o islamismo. Os lugares e espaços considerados mais sagrados pelos muçulmanos são as cidades de Meca, Medina e Jerusalém, todas localizadas no Oriente Médio, como aparece no mapa “Principais lugares sagrados do Islã”, na página 17 do caderno do aluno.
            Hajj é um dos cinco pilares da fé islâmica, uma peregrinação que os muçulmanos fazem à cidade de Meca pelo menos uma vez na vida. A Arábia Saudita estabelece cotas para os países, delimitando o número de peregrinos autorizados a participar do hajj. Do total de 2.378.636 peregrinos que participaram do hajj em 2006, 70% eram estrangeiros, dos quais mais de um terço procedente do Sudeste Asiático, como podemos observar no gráfico “Peregrinos à Meca”, na página 17 do caderno do aluno. Durante o hajj, os fiéis se dedicam inteiramente a Alá e cada peregrinação costuma reunir, em Meca, cerca de dois milhões de muçulmanos de todo o mundo. O alvo da peregrinação é a Caaba, uma construção em forma de cubo na qual se reverencia um meteorito negro que fica no centro da grande mesquita em Meca.
Existem dois grupos de islâmicos, os sunitas que formam 90% de todos os fiéis, e os xiitas, que são a maioria em países como o Irã e o Iraque. Não podemos falar em um só mundo islâmico, assim como não existe um mundo cristão homogêneo.
O islamismo (religião) não deve ser confundido ou associado diretamente com o fundamentalismo islâmico, termo cunhado a partir do fim dos anos 1970, no contexto da Revolução Islâmica. O fundamentalismo é utilizado para todos os grupos extremistas (que levam ao exagero) em todas as religiões; a popularidade do termo advém de sua generalidade, o que reduz a complexidade de uma determinada religião ou cultura, reunindo grupos diferentes em seu interior sob a mesma denominação. Ele manifesta-se em movimentos empenhados na criação de sociedades regidas pelo Alcorão (livro sagrado do islamismo) e contrárias aos modelos políticos e filosóficos ocidentais (como a separação entre Estado e religião ou a separação entre a democracia e o individualismo, o que chamamos Estado Laico). O fundamentalismo propagou-se entre os muçulmanos especialmente após a Revolução Islâmica no Irã, que instalou no país um Estado teocrático, conduzido pelo líder xiita Ruhollah Khomeini. Também se destacam a atuação, no Egito, do grupo extremista Gammaat-i-Islami, responsável por atentados terroristas, em especial contra turistas estrangeiros em visita ao país; a Frente Islâmica de Salvação (FIS), na Argélia, que pretende reorganizar o país segundo as leis do Alcorão; a milícia (força militar de um país, tropa) xiita libanesa Hezbollah, diretamente envolvida no combate a tropas israelenses instaladas no sul do Líbano; o Hamas, nos territórios ocupados por Israel, contrário ao acordo de paz entre palestinos e israelenses; e a milícia Taliban, que luta, no Afeganistão, pela implantação de um estado islâmico “puro”.

Judaísmo
            O judaísmo é a mais antiga das religiões monoteístas e a que apresenta o menor número de fiéis pelo mundo. Entre os cerca de 13 milhões de judeus existentes no mundo, atualmente as maiores comunidades judaicas se concentram na Europa (a maior delas encontra-se na França), em Israel e nos Estados Unidos, como vemos na tabela “Mundo: população judaica, 1970-2020” na página 19 do caderno do aluno.
            Um dos aspectos essenciais do judaísmo é não ser uma religião missionária (pregação, missão). Aqueles que se convertem devem observar os preceitos da lei judaica (a Torá), interpretada como a orientação de Deus por meio das escrituras. A Tora, ou a Bíblia hebraica, é chamada pelos cristãos de Velho Testamento, reunindo principalmente os cinco primeiros livros da Bíblia, cuja autoria é atribuída a Moisés, o chamado Pentateuco. Em cada sinagoga, ao menos uma cópia da Torá em hebraico é conservada sob a forma de pergaminho. Comentários sobre a Tora, aplicando-as a situações contemporâneas (atuais) e circunstâncias variadas são encontrados no Talmud, um compêndio (livro de textos para escola, um resumo da doutrina) da lei.
            Os judeus possuem uma forte ligação com Israel (estado criado em 1948, situado em terra considerada prometida por Deus a Abraão) e com a cidade de Jerusalém, considerada sagrada. O judaísmo caracteriza-se por ser, fundamentalmente, uma religião da família e que se propaga por intermédio dela. Os judeus se consideram parte de uma comunidade global, com laços estreitos com outros judeus. Os judeus estão divididos de acordo com suas práticas religiosas e origens étnicas, em dois grupos: os askenazi (originário da Europa Central) e os sefarditas (com raízes na Espanha e no Oriente Médio).

Para saber mai sobre outras religiões:
Você pode pesquisar sobre o Hinduísmo (que possui um sistema de castas, que influencia na estrutura política, econômica e social, bastante particular) e sobre o Budismo.

A questão étnico-cultural

            Com base nas noções de zonas ou focos de tensão, estudaremos os principais conflitos étnico-culturais e religiosos em andamento ou que tiveram intensa repercussão mundial, principalmente nas últimas décadas. É um conteúdo enfatizado pela mídia nacional e internacional, relacionado às questões políticas mundiais e cujo envolvimento e compreensão são fundamentais.
            A Geografia Política constitui-se num dos ramos mais fecundos da ciência geográfica e não deve ser confundida com a Geopolítica, pois, em síntese, o principal objetivo da primeira é analisar a dinâmica dos processos políticos no espaço, enquanto a segunda relaciona-se mais diretamente com as questões estratégicas e militares de determinado país. As zonas ou focos de tensão são os principais elementos de análise da Geografia Política (de acordo com o geógrafo francês Yves Lacoste) e podem ser definidos como espaços geográficos em que ocorrem, de forma aguda, conflitos de interesse entre duas ou mais unidades políticas – países – ou entre grupos humanos organizados nacional ou internacionalmente.
            Observem o mapa “Principais conflitos, final do século XX” no caderno do aluno. Quando fazemos uma análise sobre determinado foco de tensão, não devemos perder de vista, ao menos, cinco cuidados fundamentais:
- identificação das partes envolvidas no conflito;
- estudo da posição geográfica da área, pois, não raras vezes, a localização estratégica de uma área constitui um dos elementos-chave do foco;
- estudo das relações de poder entre as partes envolvidas no conflito, tendo por base as noções de “centro” e “periferia”, onde uma das partes (Estado ou grupo humano) possui maior poder político, econômico, financeiro e militar, ou seja, condições socioeconômicas dos “personagens” envolvidos no mesmo conflito;
- ter cuidado em relação aos textos e às informações que são lidos, identificando a ideologia de quem fez a análise ou descreveu os acontecimentos relacionados ao foco de tensão estudado (por exemplo, as interpretações que são veiculadas pela mídia, pois existem diversas versões sobre um mesmo foco de tensão, como as notícias sobre a Guerra e ocupação anglo-americana contra o Iraque, em 2003: as notícias veiculadas pela CNN, rede televisiva dos Estados Unidos eram contraditórias as notícias veiculadas pela Al Jazira, rede de televisão árabe);
- identificação dos interesses e das forças envolvidos, considerando que um foco pode ter uma ou várias causas essenciais – diretas e indiretas.
            No início da década de 1990, com a desmontagem da velha ordem mundial baseada na bipolarização, chegou-se a pensar que o mundo entraria em um período de paz e solidariedade entre os povos. Apenas nos seis primeiros anos, após a Guerra Fria (1947-1989), as chamadas Forças de Paz da ONU (que dispõem de instruções estritas para lançar fogo somente como último recurso) realizaram mais operações militares em áreas do mundo onde ocorriam conflitos do que nos 40 anos anteriores. Em função dessa realidade e de outros aspectos, a nova ordem mundial durante os anos 1990 também ficou conhecida como “(des)ordem mundial”.
            Isso ocorreu após o término da Guerra Fria e concomitantemente com o fim do denominado conflito Leste-Oeste, período a partir do qual os conflitos, em sua grande maioria, deixaram de ter a conotação ideológica (capitalismo x socialismo) do passado, e passaram a ser influenciados, mais intensamente, por questões separatistas, religiosas e étnicas. Vamos abordar alguns pontos principais a respeito dos conflitos regionais e a questão das identidades socioculturais (étnicas, tribais e religiosas) no espaço mundial e as principais áreas de ocorrência dos conflitos no mundo. Não vamos aprofundar muito sobre cada conflito, pois não há tempo suficiente, mas você poderá obter maiores informações no site citado no final da matéria (são temas certeiros no vestibular).

Oriente Médio: a questão palestina
Palestina é o nome dado, desde a Antigüidade, à região localizada ao sul do Líbano e a nordeste da Península do Sinai, entre o Mar Mediterrâneo e o vale do Rio Jordão. Para entender, é como se fosse um bairro, uma região sem identificação no mapa mundi, por não ser um país. A Palestina foi conquistada pelos hebreus ou israelitas (mais tarde também conhecidos como judeus) por volta de 1200 a.C., depois que aquele povo se retirou do Egito, onde vivera por alguns séculos. Mas as sucessivas dominações estrangeiras deram início a um progressivo processo de diáspora (dispersão) da população judaica, embora sua grande maioria ainda permanecesse na Palestina. Nas duas rebeliões dos judeus contra o domínio romano (em 66-70 e 133-135 d.C.), o resultado foi desastroso: o Templo de Jerusalém foi arrasado, do qual restou apenas o Muro das Lamentações e os judeus foram proibidos de viver em Jerusalém, intensificando a diáspora dos judeus. A partir de então, os israelitas espalharam-se. Em 638, a região foi conquistada pelos árabes, no contexto da expansão do islamismo, e passou a fazer parte do mundo árabe, embora sua situação política oscilasse ao sabor das constantes lutas entre governos muçulmanos rivais. Finalmente, de 1517 a 1918, a Palestina foi incorporada ao imenso Império Turco. Os turcos, embora muçulmanos, não pertencem à etnia árabe. Em 1896, o escritor austríaco, de origem judaica, Theodor Herzl fundou o Movimento Sionista, que pregava a criação de um Estado judeu na antiga pátria dos hebreus. Esse projeto, aprovado em um congresso israelita reunido em Genebra, teve ampla ressonância junto à comunidade judaica internacional e foi apoiado, sobretudo, pelo governo britânico (apoio oficializado em 1917, em plena Primeira Guerra Mundial, pela Declaração Balfour). No início do século XX, já existiam, na região, pequenas comunidades israelitas vivendo em meio à população predominantemente árabe. A partir de então, novos núcleos começaram a ser instalados, geralmente mediante compra de terras aos árabes palestinos. Durante a Primeira Guerra Mundial, a Turquia lutou ao lado da Alemanha e, derrotada, viu-se privada de todas as suas possessões no mundo árabe. A Palestina passou então a ser administrada pela Grã-Bretanha, mediante mandato concedido pela Liga das Nações. Depois de 1918, a imigração de judeus para a Palestina ganhou impulso, o que começou a gerar inquietação no seio da população árabe. A crescente hostilidade desta última levou os colonos judeus a criar uma organização paramilitar (a Haganah), voltada para a autodefesa e mais tarde, para operações de ataque contra os árabes. Apesar do conteúdo da Declaração Balfour, favorável à criação de um Estado judeu, a Grã-Bretanha tentou frear o movimento imigratório para não contrariar os Estados muçulmanos do Oriente Médio, com quem mantinha proveitosas relações econômicas; mas viu-se confrontada pela pressão mundial da coletividade israelita e, dentro da própria Palestina, pela ação de organizações terroristas. Após a Segunda Guerra Mundial, o fluxo de imigrantes judeus foi grande. Em 1947, a Assembléia Geral da ONU decidiu dividir a Palestina em dois Estados independentes: um judeu e outro palestino. Mas tanto os palestinos como os Estados árabes vizinhos recusaram-se a acatar a partilha proposta pela ONU. Em 14 de maio de 1948, foi proclamado o Estado de Israel, que se viu imediatamente atacado pelo Egito, Arábia Saudita, Jordânia, Iraque, Síria e Líbano (1ª Guerra Árabe-Israelense). Os árabes foram derrotados e Israel passou a controlar 75% do território palestino. A partir daí, iniciou-se o êxodo dos palestinos para os países vizinhos. Atualmente, esses refugiados somam cerca de 3 milhões. Os 25% restantes da Palestina, correspondentes à Faixa de Gaza e à Cisjordânia, ficaram sob ocupação respectivamente do Egito e da Jordânia. A Cisjordânia incluía a parte oriental de Jerusalém, onde fica a Cidade Velha, de grande importância histórica e religiosa.

Europa: ETA e IRA
            Os bascos possuem uma cultura e língua própria, ocupando uma região ao norte da Espanha e uma parte sul do território francês, na vertente leste dos Pirineus (cadeia montanhosa na Europa), virada para o Golfo de Biscaia, região denominada Euskal Herria (País Basco). Fundada em 1959, a organização ETA (Euzkadi Ta Askatasuna, que significa, na língua basca, “Pátria Basca e Liberdade”) luta pela autodeterminação e independência do País Basco e de Navarra, por meio de ações armadas e terrorismo, nas quais os principais alvos são membros da guarda civil e do governo espanhol. A ETA reivindica, em território espanhol, a região chamada Hegoalde ou País Basco do Sul, que é constituído por Álava, Biscaia, Guipúscoa e Navarra e no território francês, a região chamada Iparralde ou País Basco do Norte, que é constituído por Labour, Baixa Navarra e Soule. A ETA sobreviveu na clandestinidade durante a ditadura de Francisco Franco (1939-1975) e contou com o apoio da população e internacional, por ser considerada uma organização anti-regime, mas foi enfraquecendo devido ao processo de democratização em 1977. O seu lema é Bietan jarrai, que significa “seguir nas duas”, ou seja, na luta política e militar.
Em 1900, foi fundado o Partido Nacionalista (Sinn Fein, que significa “Nós Mesmos”), na região sul da ilha irlandesa, com o propósito de reivindicar a autonomia perdida para os ingleses e protestantes. No início dos 1970, originou-se uma facção militar, o IRA – Exército Republicano Irlandês, a partir do Sinn Fein. O IRA é um grupo paramilitar católico e reintegralista, que pretendia a separação da Irlanda do Norte do Reino Unido e reanexação à República da Irlanda, praticando operações de guerrilha contra alvos ingleses e protestantes, até 28 de julho de 2005, quando aumentou o cerco contra o terrorismo nos Estados Ocidentais (lado esquerdo do mapa mundi) a partir do início do século XXI, aumentando as pressões políticas para que o IRA abandonasse em definitivo suas táticas violentas. A principal razão pela qual o IRA lutava era a igualdade religiosa, visto que 75% da população norte-irlandesa era protestante e o pouco que restava, católica, o que fazia com que houvesse desigualdade e preconceito entre as religiões. Como os protestantes eram maioria, decidiam candidaturas políticas e plebiscitos, entre outros, impedindo que a vontade católica se manifestasse.

Europa: conflitos no Cáucaso (o caso da Chechênia)
            Dentre os conflitos étnicos ou de nacionalidades no interior dos países da CEI (Comunidade dos Estados Independentes, antiga URSS), o caso dos movimentos separatistas da Tchetcheno-Inguchétia merece destaque. Trata-se de uma das ex-repúblicas que compunham a extinta URSS (1991). A Tchetcheno-Inguchétia reunia dois povos que lhe davam o nome, composta de população muçulmana. Era uma república autônoma antes da desintegração da União Soviética. Ninguém opôs maior resistência à conquista do Cáucaso pelos russos do que os tchetchenos, numa luta de oposição que remonta a 1818, mas cujo aprofundamento ocorreu em 1991, na ocasião da conturbada implosão da União Soviética. Posteriormente à desagregação desse país em 1991, os líderes políticos da Chechênia não aceitaram assinar o Tratado de Adesão à Federação Russa e proclamaram sua independência. Como o governo de Moscou não reconheceu essa iniciativa, a partir de 1994 passou a enviar tropas militares à Chechênia, acirrando os conflitos nessa antiga república soviética. Alguns dos interesses russos na região da Chechênia são a expansão de seu território e controle sobre as ricas áreas petrolíferas encontradas na região. Apesar de Moscou ter anunciado o fim das operações militares em 2000, os atentados contra as forças militares russas instaladas na Chechênia não cessaram.

África: Ruanda
            Embora em conflito desde a formação do país, o ponto alto do conflito entre as duas principais etnias do país, a tutsi e hutu, eclodiu em 1994, com a morte do presidente hutu Juvenal Habyariman, num acidente de avião provocado por um míssil. Em represália, as tropas da etnia hutu (85% da população do país) passaram a massacrar a minoria tutsi (14%) e os hutus de oposição. A Frente Patriótica Ruandesa (FPR), formada por extremistas tutsis exilados em Uganda, iniciou uma ofensiva que resultou no massacre de 800 mil hutus e na tomada do poder três meses depois. O saldo total da guerra foi de 1 milhão de mortos e 2,2 milhões de refugiados hutus nos países vizinhos (ex- Zaire, Uganda, Burundi e Tanzânia), de acordo com dados da ONU.

África: Angola
            Essa longa guerra civil, nesse país, tem dois protagonistas envolvidos. De um lado, o MPLA (Movimento pela Libertação de Angola), no poder, e a UNITA (União Nacional pela Independência Total de Angola). Nos anos 1994-1995, um acordo de paz interrompeu o conflito e a ONU enviou tropas de paz. Mas em virtude do descontentamento diante do acordo, por parte da UNITA, esta se recusou a devolver áreas sob seu controle e integrar um governo de coalizão (acordo) nacional, o que conduziu ao reinício do conflito em 1999.

Ásia: Caxemira
            A Índia e o Paquistão são nações criadas a partir da desagregação do Império Britânico das Índias, em 1947. Durante a Guerra Fria, o Paquistão inclinou-se a favor dos EUA, enquanto a Índia buscou auxílio da ex-URSS, o que explica, em parte, o fato de ambos disporem, atualmente, de armas atômicas. Essas armas representam um perigo, diante de um conflito antigo entre os dois países, que se arrasta por mais de cinqüenta anos: a questão da Caxemira. A Caxemira é uma província do norte da Índia cujo território é composto por 90% montanhas e que faz fronteira com a China e com o Paquistão, com cerca de 220 mil km2. A região, compartilhada pela Índia (cerca de 100 mil km2), Paquistão (cerca de 80 mil km2) e China (cerca de 40 mil km2), tem sido alvo de disputas territoriais entre esses três países desde o final da década de 1940. A origem do conflito remonta à partilha da Índia britânica, que deu origem, em 1947, a dois países: o Paquistão, com maioria da população muçulmana, e a Índia, majoritariamente hindu. O marajá de Caxemira (Hari Singh) solicitou o apoio de tropas indianas para se defender da invasão das tribos Pathans e em retribuição, assinou o Instrumento de Acesso à União Indiana, concordando que a região se tornasse no estado indiano de Jammu e Caxemira. A partir de então, o Paquistão reivindica a realização de um plebiscito em razão de 2/3 da população, de 7 milhões de habitantes, ser composta de muçulmanos. Os indianos, por sua vez, não aceitaram realizar um plebiscito, muito embora tenham cedido um terço do território ao Paquistão (Azad Kashmir). Conseqüentemente, ao lado do surgimento de uma guerrilha, ocorreram vários atentados terroristas contra a presença indiana no restante da Caxemira, como parte de ações voltadas para sua integração futura ao Paquistão. A disputa entre muçulmanos e hindus levou os dois países a duas outras guerras (1965 e 1971), sendo ainda hoje a principal razão para a corrida armamentista nuclear.

Para maiores informações e detalhes, acesse esse site (http://pt.wikipedia.org) ou pesquise em livros didáticos e almanaques.

8. América Latina?

            Vamos estudar os movimentos sociais indígenas, as principais zonas ou focos de tensão na América Latina e questões fundamentais, como o narcotráfico na Colômbia, o movimento indígena na Bolívia e Chiapas e os conflitos políticos no Peru, diante da relevância deste conteúdo na atualidade. A diversidade da população indígena na América Latina é grande. Ela está mais concentrada no México, Peru e Bolívia.
            Vamos abordar alguns pontos principais a respeito dos conflitos regionais e a questão das identidades socioculturais (étnicas, tribais e religiosas) e as principais áreas de ocorrência dos conflitos. Não vamos aprofundar muito sobre cada conflito, pois não há tempo suficiente, mas você poderá obter maiores informações no site citado no final da matéria (são temas certeiros no vestibular).


Chiapas
            No estado de Chiapas, localizado no sul do México, na fronteira com a Guatemala, os camponeses indígenas maias formaram o movimento Zapatista, revelando a insolubilidade da questão agrária na sociedade capitalista e a intensificação do problema em conseqüência das políticas econômicas neoliberais. Iniciado em 1º. de janeiro de 1994, o movimento zapatista começou no mesmo dia em que entrou em vigor o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) e, ao longo do processo político que envolveu diversas organizações – como os movimentos estudantis e operários –, organizou-se a Frente Zapatista de Libertação Nacional (FZLN).
            Chiapas é o estado mais pobre do México. Apesar dos duros combates iniciais contra as tropas do governo, o FZLN aposta em ações pacíficas e de impacto - como a ocupação de povoados e a organização de congressos políticos internacionais no meio da selva de Chiapas. Sua plataforma prevê a democratização do país e a ampliação da autonomia e das oportunidades para os grupos indígenas. As negociações de paz não evoluem. Os rebeldes denunciam a fraude e a intimidação de eleitores.

Haiti
            Inicialmente, entre 1950 e 2005, os indicadores sociais e econômicos haitianos permaneceram muito negativos, e o país tornou-se o mais pobre da América Latina. A crise política, econômica e social vivida pelo país há anos, foi intensificada após a ditadura de François “Papa-Doc” Duvalier e a de seu filho Jean-Claude Duvalier (chamado Baby Doc), encerrada em 1986, deixando o país tumultuado e instável. Entre 1990 e 2000, o país sofreu intervenções da ONU e dos Estados Unidos, quando estava sob administração de Bill Clinton e de George Bush (filho). O Brasil participou enviando forças de paz a pedido do governo norte-americano e da ONU. Nesse período, alguns militares tentaram manter-se no poder impondo a ditadura, mas ONU e EUA estavam sempre interferindo, idealizando liberdade e democracia para o país (mas os EUA tinham motivos econômicos e estratégicos para tal). O Brasil comanda a força militar na missão de paz da ONU no Haiti desde junho de 2004. Os 1,2 mil soldados do país, que estão no Haiti, formam o maior contingente brasileiro enviado ao exterior desde a 2ª Guerra Mundial. Essa força militar na missão de paz procura garantir a estabilidade no país e auxiliar na manutenção da segurança para realizar novas eleições, após a queda do ex-presidente Jean Bertrand Aristide. Era necessário consolidar um efetivo que substituísse a Força Multilateral Interina (MIF, pela sigla em inglês), formada por Estados Unidos, Canadá, França e Chile e que se mantinha no país desde a queda de Aristide. A missão no Haiti enfrentou um quadro incompleto de militares previstos pela ONU. Segundo o Exército, isso dificultava a atuação nas áreas mais críticas do país, onde gangues, rebeldes e grupos armados mantinham conflitos permanentes com civis e com a Polícia Nacional haitiana. Os conflitos entre os grupos armados e a Polícia Nacional eram constantes. Organizações não-governamentais chegaram a criticar a atuação da ONU, ao alegar que a atuação da missão permitia a violação de direitos humanos. A acusação foi negada pelo comando militar e pelas autoridades do governo brasileiro. O governo brasileiro fez atuações junto ao Conselho de Segurança da ONU para aumentar o efetivo militar no Haiti. Também fez pedidos de ajuda internacional para projetos de infraestrutura, cooperação internacional e visitas do próprio ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, para avaliar a situação política pré-eleitoral no país.
            O terremoto em 12 de janeiro de 2010 colaborou para agravar a situação crítica do país.

Movimentos políticos no Peru
Dois movimentos guerrilheiros atuam no país: o Sendero Luminoso, fundado em 1975, ligado à guerrilha rural, cujas ações, historicamente, foram violentas e líder preso pelo governo de Fujimori e o Movimento Revolucionário Tupac Amaru, inspirado nas idéias de Che Guevara (um dos mais famosos revolucionários comunistas da história, nascido em Rosario, Argentina) e que concentrou suas atividades nas cidades. Ao prender os principais líderes desses movimentos, a atuação do governo contribuiu para o aumento das atividades guerrilheiras no país no final da década de 1990. Outro ponto: a situação litigiosa (disputa) fronteiriça que o Peru enfrenta com o seu vizinho Equador, o que levou os dois países a travarem conflito armado em 1998.

Movimentos indígenas na Bolívia
            Na Bolívia, prevalece uma segmentação cultural na estrutura de oportunidades e de mobilidade social, notória na estratificação étnica do mercado de trabalho: no país, um indígena recebe em geral um terço do salário de um não-indígena. Conseqüentemente, a maioria da população pobre do país é indígena. 62% dos habitantes maiores de quinze anos se auto-identificam, na Bolívia, como pertencentes a algum povo indígena, e pouco mais de 40% da população tem como língua materna um idioma indígena. Entre os 38 povos indígenas e seus descendentes que existem na Bolívia, os dois mais importantes são os quíchuas (abarcam 30% da população total do país) e os aimarás (25%). Na sua maioria, os primeiros estão instalados nas zonas dos vales, enquanto os aimarás encontram-se no planalto, tanto rural como urbano. Não se pode falar em um único movimento indígena no país, devido à diversidade histórica dos povos indígenas na Bolívia, pois existem vários envolvidos nas lutas sociais e políticas travadas, tanto em relação ao governo como também contra empresas transnacionais que atuam no país explorando seus recursos naturais. A Bolívia é rica em recursos naturais, mas extremamente pobre quando a questão é o usufruto coletivo dessas riquezas. Além de serem vários, os movimentos indígenas são muito distintos em suas reivindicações, em suas atitudes diante do Estado, em seus métodos de mobilização, em suas identidades e em suas bases sociais. Atualmente, esses movimentos formam uma força política indiscutível, sem a qual é impossível pensar a futura história estatal do país, como ficou demonstrado na eleição de Evo Morales (2006) e na intervenção da Petrobras pelo governo boliviano.

Colômbia
            As origens dos conflitos armados na Colômbia são, fundamentalmente, de ordem política doméstica e se associaram a um conjunto de fatores estruturais e outros que emergiram em diferentes conjunturas ao longo das últimas cinco décadas:
- o processo de formação do estado colombiano aconteceu sob um padrão de desarticulação regional, que ensejou (propiciou) uma cultura política autoritária e estruturas de poder difusas (indescritível);
- a propensão histórica na sociedade colombiana ao recurso à violência, visando à consecução (ato ou efeito de conseguir) de objetivos políticos;
- o caráter preponderantemente excludente das estruturas políticas e socioeconômicas do país;
- o padrão conflitivo de relacionamento entre os Partidos Liberal e Conservador;
- a proliferação de grupos guerrilheiros nas décadas de 1950 e 1960, no contexto da Guerra Fria (1947-1989) e sob forte influência dos ideais revolucionários propagados pela União Soviética, e, com maior impacto, o advento da Revolução Cubana (1959);
- a proliferação de grupos paramilitares e as diferentes estratégias contra-insurgentes (contra-rebeldes) levadas a cabo pelo governo colombiano entre os anos 1960 e 1980;
- a crescente influência do narcotráfico na vida nacional a partir da década de 1980, associado a problemas políticos e sociais enraizados na Colômbia (corrupção, impunidade, pouca credibilidade das instituições e da classe política e propensão à violência para dirimir – resolver – conflitos).
            O atual conflito armado tem suas origens na violência política que o país viveu na década de 1950, associada aos conflitos agrários e à hegemonia do sistema bipartidarista (dois partidos) como modelo principal do regime político colombiano. Neste, as classes dirigentes exerciam a orientação ideológica por intermédio de dois partidos políticos: Liberal e o Conservador. A partir de 1965, outros atores entraram nesse cenário de conflitos políticos, como os grupos de insurgência (rebeldes) armada que, com sua orientação ideológica de esquerda, surgiram como frentes de oposição ao regime político bipartidarista. A consolidação de organizações armadas de oposição aconteceu na década de 1960, quando apareceram no cenário nacional, entre outros e principalmente:
- as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARCs) que, arraigando-se nas localidades camponesas, são a mais antiga e até hoje ativa organização guerrilheira, cujo surgimento se deu como um movimento camponês e como organização armada inspirada no comunismo soviético. Na atualidade, conta com uns 15.000 militares repartidos em 60 frentes, agrupados em 7 blocos que operam em todo o país;
- o Exército de Libertação Nacional (ELN), organização que teve sua inspiração na Revolução Cubana e que, por adotar a figura de Camilo Torres (o sacerdote guerrilheiro) como seu principal símbolo, passou a denominar Unión Camilista Ejército de Liberación Nacional (UC-ELN), sendo a segunda organização armada de oposição que ainda continua ativa;
- o Exército Popular de Libertação (EPL), criado em 1965 como dissidência (separação) maoísta (corrente do comunismo baseada nos ensinamentos de Mao Tse Tung) do movimento colombiano e que, após seu processo de desmobilização e reinserção em 1990, passou a se denominar Movimento Esperanza, Paz y Libertad, com ativa participação na vida política nacional.
            Em meados da década de 1980 e, de forma mais clara, nos últimos dez anos, as pressões fronteiriças manifestaram-se com maior vigor. Os fatores que levaram o conflito a transcender (ultrapassar) suas origens e o âmbito doméstico (suas fronteiras), até então justificados como fatores externos condicionantes, mas não determinantes, foram o tráfico de drogas, de armas e munições e demais recursos para abastecimento dos movimentos guerrilheiros. É recorrente a presença de combatentes, narcotraficantes e outros ligados a atividades clandestinas em faixas de fronteiras ou mesmo em território de países vizinhos, interferindo também nos fluxos de migração forçada que acompanharam os momentos de escalada do conflito internamente. Esses fatores indicados afetaram diretamente as fronteiras da Colômbia com Peru, Equador e Venezuela (em função das conexões mais acessíveis que suas fronteiras propiciam para as rotas de tráfico e para a movimentação de pessoas e recursos ligados à guerrilha), e nos últimos anos, das fronteiras da Colômbia com o Panamá. O Brasil, por sua vez, aumentou a presença militar nas fronteiras com a Colômbia e ativou um sistema de vigilância do espaço aéreo amazônico sob sua jurisdição, procurando, assim, dissuadir e, eventualmente, repelir a presença de guerrilheiros em território brasileiro.
            Tanto a Colômbia, como também seus países vizinhos, foram afetados pela política de combate ao narcotráfico, empreendida pelos Estados Unidos a partir da década de 1980. Isso ocorreu em função do conflito ter sido redimensionado a partir de então, desencadeando processos inéditos, tais como:
- o deslocamento dos cultivos ilícitos de coca que, até meados da década de 1990, foi acompanhado pela importância adquirida pelas estruturas de controle do tráfico (grandes cartéis de Cali e Medellín), cujo desmantelamento, por sua vez, colaborou para aumentar o poder da rede mais difusa e articulada que lhes sucedeu;
- a crescente politização e influência que a política anti-narcóticos dos Estados Unidos assumiu no país e em toda a região, ocasionando uma progressiva dependência de parte dos países andinos e, em particular, da Colômbia. Esse último caso pode ser exemplificado com a cooperação norte-americana perante o enfrentamento do narcotráfico em suas distintas dimensões (produção, processamento, distribuição, consumo e lavagem de dinheiro);
- o crescimento da influência política e militar dos Estados Unidos ao longo da última década e, de forma pronunciada, no Governo de Álvaro Uribe, quando forte convergência foi estabelecida com o governo norte-americano quanto ao diagnóstico, à caracterização do conflito e às estratégias para enfrentá-lo, contribuindo de forma direta para que o conflito colombiano adquirisse projeção internacional e ampliado a partir da associação do conflito doméstico com o terrorismo após os atentados de 11/09/2001 contra os Estados Unidos;
- por último, em decorrência dos aspectos explicados, em virtude de incorporar um forte componente de militarização da região, a implementação do Plano Colômbia passou a ser motivo de grande preocupação para as sociedades e governos dos países vizinhos, inclusive o Brasil, em razão da presença intervencionista dos Estados Unidos na região. Tal fato modificou a percepção do problema pelos países vizinhos que, nos últimos anos, vêm esforçando-se para equilibrar a presença norte-americana, buscando formas de cooperação ativa com o governo colombiano.